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09 de março de 2022

PROTOCOLO PARA JULGAMENTO COM PERSPECTIVA DE GÊNERO: imparcialidade em risco?

Por Lisandra Lopes - juíza do Trabalho

Em 2021 o Conselho Nacional de Justiça lançou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de gênero, que foi fruto de um grupo de trabalho composto por juízes de todas as esferas do poder judiciário. O documento consiste em um guia teórico e prático para que juízes e juízas tenham conhecimento de questões básicas relativa a sexismo e desigualdade de gênero, a fim de evitar que se perpetuem estereótipos e hierarquias, bem como condutas que causem uma revitimização, ou seja, a prática de violência institucional contra mulheres que já foram vítimas de alguma violência e buscaram o judiciário para obter reparação. 
Em 2022, a resolução n. 128 do CNJ recomendou a adoção do Protocolo no âmbito do Poder Judiciário brasileiro. 
 
Desconhecimento e preconceitos rondam as discussões sobre gênero. Em uma visão apressada e distorcida, o protocolo pode significar um risco à imparcialidade do judiciário, que passará a atuar em defesa das mulheres e em detrimento dos homens. Mas, ao contrário disso, a função do protocolo é justamente direcionar o processo para a busca de uma justiça concreta e real, que leve em consideração as desigualdades estruturais existentes na sociedade e o tratamento sexista concedido às mulheres, muitas vezes pelo próprio direito, pois o sexismo é transversal, ou seja, ele atravessa toda a sociedade. 
 
Nesse sentido, o próprio protocolo conta com um capítulo, na parte I, que se destina a discorrer sobre essas questões, distinguindo a neutralidade (“postura humana neutra, inerte e equidistante das partes”) da imparcialidade objetiva, que consiste na abordagem sem a influência de preferências e interesses pessoais. Embora a ideia de neutralidade tenha sido importante para sedimentar direitos fundamentais, em um estágio mais complexo ela passa a ser um mito, pois o julgador vive em sociedade e está sujeito a todos os vieses decorrentes de sua posição social no mundo.  Compreender as estruturas sociais e aprender a identificar e evitar  esses vieses e estereótipos é uma forma de construir julgamentos mais justos e consentâneos com os princípios da igualdade e da não-discriminação .
 
Deste modo, o protocolo não constitui risco à imparcialidade, e sim uma forma de construir uma “racionalidade jurídica mais próxima do ideal de justiça” (CNJ, Protocolo para julgamento com perspectiva de gênero. Brasília, 2021, p. 34-36).